ao meu pai...2006.05.27

"E apareceu-me de novo o unimogue, a ausência de lua, a mata, as minas, a guerra, o soldado estendido na erva, tão pálido sob os faróis. Apagara isso de mim. Não queria por preço algum tornar a essas horas. E tu vieste trazer-mos de regresso. Que sorte não ter morrido lá, não termos morrido lá.
(...) Pelo passado que regressa, instântaneo, cheio de horror e sofrimento. Os Eucaliptos de Cessa imensos. Crepúsculos que nos esmagavam. Há fotografias de tudo isso também. Retratos nós de pé nos retratos e portanto vivos. Conheço as caras e não as conheço, congeladas a meio de uma expressão com qualquer coisa de incompleto nelas. Olham-me desprovidas de voz e de espessura. Não me sinto triste. Palavra de honra que não me sinto triste.
(...)Tenho a certeza que é por ter corpo e estar vivo."
António Lobo Antunes
ao meu pai e a todos os que lá estiveram...
para o meu pai que naquele dia teve a coragem de me fazer entender a dor por detrás dos risos das histórias que ele e os seus amigos nos contam à mesa ao longo de anos de encontros sem nunca deixarem transparecer mais do que os bons momentos...
2 Comments:
Existem pequenas coisas que só descobrimos quando menos esperamos. Apesar de saber o sofrimento causado pela guerra, só deixam transparecer a alegria causada pela sensação de se voltarem a ver. Pessoas que, apesar de repetirem as suas historias vezes sem conta, contam-nas como se fosse a primeira vez, e para nós, por mais incrivel que pareça, ouvimos como se fosse também a primeira vez que estamos a ouvi-las.
Amo este homem, e só espero ser metade da pessoa que ele é, que já me vou poder considerar uma pessoa espectacular. Também sou suspeito ao afirmar isto, uma vez que é o meu pai...
E acho que é por essas histórias que ele corre tanto todos os dias...percebo hoje os fantasmas que ainda o assombram...e orgulho-me que hoje consiga ser a pessoa que é, apesar de tudo o que viveu..o meu herói :)
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